domingo, março 27, 2005

001
Para o que vive atento e de propósito: pecar, sim, desde que não seja pouco e, sendo caso disso, arrepender-se, desde que não seja muito, porque o arrependimento nasce da desatenção ao propósito e o pecado é a ausência deste.

002
Toda a actividade humana deve assentar na colaboração, na entreajuda. Partilhar é a meta! Amar é o meio!

003
Recusa todas as formas de violência e toda a competição que não seja estritamente desportiva. A quem advogue a competitividade, não apertes a mão. Não o farias com outro qualquer mau carácter, pois não?

004
Presta toda a atenção à voz inconfundível da tua consciência e não te envaideças nem te angusties com os ecos da tua reputação, porque enquanto esta é tão efémera quanto o eco que a transporta, aquela é tão permanente quanto o teu desejo de respirar. Pela primeira te conheces, pela segunda te confundes...

005
É importante a água, é importante a nora e é importante a besta vendada que caminha para que os alcatruzes rodem. Porém, saciar a sede é que é o objectivo.

006
Todos os caminhos são circulares! Para cada um o seu caminho, que é uma senda de enganos em permanente construção. Todos os caminhos convergem no ponto ALFA e no ponto ÓMEGA e os percursos fazem-se na equidistância do centro. Caminhar é um enigma e todos os enigmas são invenções da labiríntica mente humana. Segredo é sentar-se o caminhante à sombra da árvore baniana. Abandonar as sandálias. Abandonar o labirinto. Pôr fim aos processos ilusórios. Mistério é a atracção do Centro. Morte é acreditar-se na caminhada, na periferia e no fim do caminho, sem cuidar de que a busca é desejar o centro e merecer a alma, enquanto caminhar é apenas cansaço e pés doridos. Encontra a tua figueira e colhe a tua serenidade.

007
Homens e mulheres, colunas vivas de entre terra e céu, androginato perfeito pela diferenciação, ruína do templo quando a dualidade da natureza se confunde. Pelos contrários se acende a chama e se invoca a vida; pelos semelhantes se acumula a cinza no vaso da solidão e entre os destroços do templo traído se fica a invocar a morte.


008
O homem, ao identificar-se com o tempo, o espaço e os três limites dimensionais da matéria, paga em morte o exercício da vida e em esquecimento a travessia do tempo. Isto é necessário para que a matéria se torne inteligente até ao ponto de criar os seus próprios enigmas. E é necessário para que o homem comungue do sortilégio da inteligência pura e goze do privilégio de ser mensageiro da divina intenção, que o mesmo é dizer ser alquimista capaz de fundir o Enigma, o Segredo e o Mistério.

009
Para cada ser humano uma religião à medida do seu sonho e do seu amor por si próprio, pelos outros, pela natureza e pela inteligência total que possibilita a vida, a luz e o amor.

010
O Universo é um grande útero, e por isso é feminino. Percorre-o um desejo ardente, como se fosse luz, como se fosse fogo e esse é o masculino do feminino. A mulher, reflexo do Grande Útero Universal, é depositária do grande segredo que é a vida e guardiã do mistério da união dos contrários na consecução duma coisa só. No mundo actual, a coisificação da mulher é a construção da fêmea, a deturpação do segredo e a alienação do mistério.

011
Precisamos reencontrar os caminhos da emoção, porque o pensamento autêntico tem a sua génese na inteligência emocional; a razão é apenas a sua criada de quarto. Não se confunda, porém, a abertura emocional com o recurso às sensações em bruto, ao sensualismo e ao desregramento dos sentidos, que esse é o caminho onde os jovens de hoje se desencontram e envelhecem sem crescerem. Esse é o caminho — o não caminho — onde nos alienamos do SER, rendidos ao reino do TER, sem sombra sequer de utopia, numa ilusão apagada, num perpétuo sono sem despertar nem adormecer.

012
Num mundo carregado de avessos, onde o sonho murcha e o maravilhoso se abastarda, vivemos o mimetismo da vida...Não a vida.

013
De sete em sete anos, cada um de nós é outro, permanecendo todavia o mesmo, eventualmente mais sábio, mas sem dúvida mais perto da morte do que no dia do nascimento. Esta é a reencarnação da memória, que é o elo de ligação entre o ontem e o hoje. Coisa frágil, a memória, toda ela feita de recordar e de esquecer!

014
Nenhuma espiritualidade merece esse nome se ofende a nossa inteligência; nenhuma religião se justifica em prejuízo da verdade; nenhuma ideia é digna de atençaõ se fere a dignidade da pessoa humana.

015
Há que estar prevenido contra a falsa humildade dos que se escudam com a «palavra de Deus» e a memória dos santos para condicionarem o comportamento dos outros e o destino do mundo. Como pode ser humilde aquele que se vangloria de ter do Alto procuração segura e verdadeira?

016
Inegáveis que sejam os impropriamente chamados poderes paranormais; por mais construtivos, por mais louváveis, por mais úteis que possam ou pareçam ser, que não fiquem dúvidas quanto a isto: eles são apenas e sempre marginais e acessórios, porque todos estes fenómenos (reais ou aparentes) e todas as técnicas que os induzam devem visar a auto-realização e não o feérico e o circense.

017
A imaginação, inventando, inventando, inventando na mais saudável das mentiras mais-que-verdade, debulha o caos e rejuvenesce o mundo, dá ao inexplicável dum momento coerências de descoberta e evidências inesperadas; depois, vem sobre ela a Ciência pesada e fria e ordena a particularidade efémera das coisas, despindo-as do segredo, alienando-as do mistério. Inexorável como um carrasco inevitável, ela explica como pode o que o tempo deixa. Na sua coerência e lógica tudo arruma e delimita rigidamente, exigindo à imaginação que se renda. Então se vê que um passo mais aquém fica a utilidade e um passo mais além a poesia, a religiosidade e até mesmo a loucura. E não nos iludamos: no meio não está a virtude, apenas a dormência da alma. Tenhamos a compreensão necessária para sabermos que é muita sorte a nossa existirem loucos e existirem poetas, que não deixam morrer a invenção dos dias sempre novos no canteiro dos sonhos sempiternos.

018
Há mais arte no rio que, de águas revoltas, nos faz imaginar e construir uma ponte entre as suas margens do que em todo o engenho posto na construção. Ligadas as duas margens, só voltaremos a ser estimulados pelo rio, a atendermos os seus apelos, quando o tempo que tudo consome ou a violência dos elementos derrubarem a construção. Aí saberemos quanto o nosso agir ficou aquém do induzido desejo. Saberemos também de atávicos receios que a boca vai calando e o orgulho mal disfarça.

019
Presta toda a atenção à voz inconfundível da tua consciência e não te envaideças nem te angusties com os ecos da tua reputação, porque enquanto esta é tão efémera quanto o eco que a transporta, aquela é tão permanente quanto o teu desejo de respirar. Pela primeira te conheces, pela segunda te confundes...

020
Quando o som e o silêncio se tornam indistintos, só o ruído cabe onde a música é impossível. Nos dias de hoje, onde só o mercado tem voz, não se procura na música a medida de ouro, mas sim o ouro sem medida.

021
Há quem entenda que morrer é nascer do outro lado da vida (e vice-versa) e que a morte é a forma possível para a matéria ter consciência de si própria. Ciências há que o querem demonstrar. De qualquer forma, se olharmos cada indivíduo como uma simples célula dum corpo maior (a Humanidade) e encararmos o fenómeno como idêntico ao duma célula do nosso corpo, etc., veremos que este é um processo de perenidade (para não dizer eternidade) e que aquilo a que se chama morte é apenas esquecimento.

022
Há uma generalizada ignorância de muita coisa que poderíamos dizer importante, ou mesmo essencial, o que não há é ignorância em geral. Os ignorantes com que nos cruzamos sabem sempre coisas que nós ignoramos. Eles e nós andamos por caminhos desencontrados e, quando nos cruzamos, até a simples saudação tem o sabor do constrangimento.

023
Aprender é repetir o que se ignora até que se saiba e o que se sabe até que se esqueça. Mas se o saber diz, a sabedoria cala