domingo, janeiro 03, 2021

A PALAVRA TRANSIÇÃO

Vendas Novas, 3 de Janeiro de 2021

A Palavra transição, para além dos equívocos de que se reveste, tem um som muito desagradável, razão pela qual raramente a utilizo, e, quando o faço, é em meio que por norma o faz, não ia ser desmancha-prazeres, mas o facto é que não gosto desta palavra. Quanto a equívocos, o maior está em ela não declarar sem qualquer ambiguidade aquilo que pretende significar. Ora, acreditando-se que, na morte, há uma separação, um corte entre o biológico (o corpo) e o imaterial, chame-se-lhe alma ou o que quer que seja, porque o que importa reter é o fenómeno separação, não podemos falar de transição; se a alma (digamos assim) usa o corpo como vestimenta, ela não transita, senta-se à máquina de costura e faz um novo fato. Quanto ao corpo, não se usando o mecanismo purificador da cremação, degrada-se, apodrece, dá mau cheiro e os vermos, que são vida, encarregam-se de transformar a morte em pó, porque há um contrato natural com o planeta que nos permite a vida biológica, a terra paga-nos o sustento e nós compensamo-la com a devolução da tal vestimenta, que é o corpo.

A vida é a união de dois contrários: nascer e morrer. Nascemos e morremos; se isto sucede na tal rotatividade de que fala o budismo, é uma questão de crença, não de ciência. Uns crêem e outros não, e não podemos provar aos que não crêem a bondade das nossas crenças. A palavra desagradável transição tem sido esgrimida por esoteristas, não vindo mal ao mundo que a usem entre si, já usá-la em meio que ignora ou não crê na ideia que lhe vai agarrada pode envolver alguma petulância. O uso de exotismos é invariavelmente uma petulância.

No comércio da morte – e não restrinjo o âmbito apenas às agências funerárias, mas a tudo o que a envolve – há uma palavra muito usada para amenizar o que é tão doloroso para os que fazem o luto, é a palavra passamento, que envolve quase inconscientemente uma conotação religiosa: o corpo vai para a terra, mas a alma vai para o céu. Os que não choram podem até dizer: passou desta para melhor.

Em meios mais restritos do esoterismo e do ocultismo, especialmente entre s espíritas, há um termo muito usado, bem mais significativo, menos ambíguo e menos desagradável que transição, desencarnação, fulano desencarnou.

Costumo dizer aos crentes da grande panóplia das crenças, aos quais é comum um grande olvido: é que muito exigem que lhes respeitem as crenças e nunca lhes passa pela cabeça que o mesmo respeito é devido à descrença. Não somos mestres de ninguém e na vida só a própria vida é mestra; cada um de nós é uma experiência pessoal e intransmissível