quarta-feira, agosto 05, 2015

O INSTANTE



Histon, Cambridge, 05 AGO 2015

Mesmo nos meios espiritualistas, onde se esperaria que o conceito fosse menos premente, há quem use e abuse do termo evolução. Eu prefiro falar de progresso, de progredir, sobretudo para me esquivar a equívocas conotações darwinianas, quase sempre inapropriadas fora do seu específico campo. Não sendo esta então a única razão da minha preferência, trago aqui uma outra, esta pessoalíssima.
Nos meus tempos de fumador inveterado – isto foi há mais de trinta anos e não teve nada a ver com evolução –, retirava-me por vezes para um recanto sossegado e punha-me, fazendo boquinhas de peixe de aquário, a expelir argolinhas de fumo, que evoluíam no ar até se desvanecerem completamente. Dizia então para com os meus botões: a evolução é isto, andar em voltas até desaparecer. Qualquer que seja a perspectiva e o contexto, é isto.
Pela mesma tónica, gostando eu de fazer longas caminhadas, não gosto nada de ter de regressar ao ponto de partida pelo mesmo marcador de passos. Sequela dos anéis de fumo, não gosto de andar às voltas, isto é, de evoluir, porque eu não evoluo, apenas procuro progredir no caminho que me escolha. Evoluiria sim – quem sabe? – se a memória me libertasse e eu fosse por aí, às voltas, até desaparecer…
Curioso. E de certo modo paradoxal: tenho um certo gosto em desaparecer, não de mim, que não sou fumo, mas dos olhos que vendo-me de verdade me inventam da forma que lhes dá jeito. Ora, não sendo eu de companhia – que isso são os gatos e os cães –, afasto-me, não vá eu, por distracção, pôr-me a acreditar não invenção que de mim façam amigos e inimigos, tanto faz.
Afasto-me, mas não excluo de modo algum quem me invente, ou nem isso. Esses estarão mais presentes do que se perto estivessem. E mais autênticos, porque não os invento nem os imagino, pois fazem parte da minha circunstância. Eis a razão pela qual a minha adorada solidão é tão povoada. Nela tudo incluo, não por recurso à memória e à nostalgia, mas por ficar, como quem faz boquinhas de peixe de aquário, a expelir anéis de fumo que evoluem. Eu que já não fumo. Eu que não evoluo.

Quando chego junto ao lago dos patos e dos peixes e lhes atiro pedacinhos de pão, nem eles nem eu evoluímos, apenas nos integramos na plenitude do momento, do instante onde a eternidade nos toca e a morte nada pode. 
ABDUL CADRE