Peter Handke foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura de 2019. A Assírio & Alvim acaba de publicar o seu longo e extraordinário poema com o título Poema à Duração. É uma edição bilingue – alemão e português – e a tradução é de José A. Palma Caetano.
Quando gostamos de um poema, como eu gostei deste, apetece-nos dizer só para nós, muito em segredo, sem que ninguém nos oiça: que pena, eu não o ter escrito.
Por não o ter escrito, peguei em alguns dos versos que mais me tocaram e fiz o alinhamento que abaixo coloco. Quem for ler o livro vai encontrar lá estes versos, tal como os transcrevo, não como os alinho. Não vejam isto como um resumo das várias dezenas de versos do poema, mas como uma recordação. Talvez revisitar o que Bergson disse do seu entendimento da duração ajude na leitura do poema.
«A duração é o sentimento da vida.
O êxtase é sempre de mais,
a duração, pelo contrário, é que está certa.
Eu eduquei-me
na espera da duração,
sem o dispêndio da romagem.
Duração, meu sossego.
Duração, lugar do meu descanso.
Impulso temporal da duração, tu rodeias-me
de um espaço descritível
e a descrição cria o espaço que se lhe segue.
O impulso da duração é
o que me tem faltado.
Quem nunca sentiu a duração
não viveu.
A duração não existe na pedra
antiquíssima e eterna,
mas sim no transitório, no que é brando e sensível.
Em lugar de todo o falatório que há em mim,
do suplício que infligem muitas vozes,
surge a meditação,
uma espécie de silêncio redentor,
mas do qual se desprende, ao chegar ao local,
um pensamento explícito, o meu pensamento mais elevado:
Salvar, salvar, salvar!
Num impulso tão doce como poderoso
arredondam-se os olhos,
há um ranger nos canais auditivos
e eu celebro na clareira
a festa de agradecimento da presença no lugar.»