quarta-feira, janeiro 22, 2020

AS CEREJAS

Os livros sempre foram para mim como as cerejas, uns puxam pelos outros. O livro de que reproduzo a capa não o comprei pelo tema, comprei-o por ser em francês, e por ser o mais barato de quantos em francês encontrei na Barata. O caso é que andava no secundário – foi há mais de meio século – e queria aperfeiçoar a língua.
Achei o livro um completo espanto, mas não encontrava ninguém que achasse o mesmo. Talvez ele não fosse tão espantoso assim, mas foi, todavia, o início da minha concepção do mundo, um pouco aquilo que se diz nos circuitos esotéricos de que tudo está em tudo. Isto desembocou na questão dos fractais, que o Universo é um imenso fractal, tudo se desenvolve à semelhança dos padrões mínimos dos ramos das árvores, e a energia que desenha essa matriz é ainda desconhecida porque os homens inventaram Deus para a substituir, e o nome que se dá às coisas aprisiona-as e limita-as. O grande obstáculo à expansão da nossa consciência é a crença, sobretudo a crença num Deus pessoal e distante, soberano despótico das nossas vidas.
Denis Saurat (1890-1958) nasceu em França e viveu em Londres durante a II Guerra Mundial. Foi professor de literatura e especializou-se no estudo dos poetas Spenser, Milton e Black, e foi por estes que foi levado a introduzir-se nos círculos ocultistas britânicos e a entrar em contacto com o enigmático Gurdjieff, de que se tornou amigo e discípulo, dele tomando o celebrado conceito do eneagrama. Todavia, não é nada disto que o livro reflecte, ele parte de um estudo científico de Jean Feytaud (1889-1973) sobre insectos, e em especial sobre as térmitas.

Jean Feytaud foi professor na Faculdade das Ciências de Bordéus, Director do Centro de Pesquisas Fito patológicas, Membro do Comité Internacional para a luta contra a Doryphore (escravelho da batata) e Membro Honorário da Academia Chilena de Ciências Naturais. É com ele que se inicia a zoologia aplicada e a luta agrobiológica.
Denis Saurat escreveu meia centena de livros, uma parte deles sobre religião e mitologias e neste livro desenha uma hipótese tão fascinante quanto o foi mais recentemente o Gene Egoísta, do Dawkins. Com a sua excepcional erudição, procura desvendar os mistérios da Ilha de Páscoa, dos gigantes do Terciário e faz remontar as suas propostas a tão longe quanto as primeiras civilizações dos insectos, vendo nelas a matriz do que vieram a ser as civilizações humanas. Alguns aspectos do que diz chegam a ser perturbadores.