quarta-feira, novembro 09, 2011

APROXIMAÇÕES À SABEDORIA ANTIGA

 

Dizia o grande místico Karl von Eckartshausen que «A verdade absoluta não existe no reino dos fenómenos. Nem sequer nas matemáticas a encontramos, porque as suas regras e princípios estão fundados em certas hipóteses respeitantes à grandeza e à extensão, já por si de carácter fenoménico. Mudem-se os conceitos fundamentais das matemáticas e o sistema inteiro será modificado».

Assim, dizer-se que uma dada ordem de coisas ou de saberes tem quatro, ou nove, ou doze graus, partes, modos ou o que mais se queira é falar-se de critérios quantitativos, de convenções, de codificações, de espírito analítico e nada mais.

O homem, para poder entender os enigmas, os segredos e os mistérios, divide — que é o pressuposto da análise — e estabelece convenções — que é o corolário de todas as sínteses — para que, a partir de um saber codificado e aceite o entendimento recíproco seja possível e as transmissões dos códigos e o método dessa transmissão se estabeleça.

Na administração do saber, nas universidades medievais, usava-se um conjunto de quatro disciplinas — Aritmética, Geometria, Astronomia e Música — que se designava por QUADRIVIUM. Esta base quadrangular requeria, de quem pretendia alcançar a mestria nas artes liberais, a coroa do TRIVIUM, que compreendia a Gramática, a Dialéctica e a Retórica, disciplinas estas que, vistas à luz dos nossos dias, poderíamos chamar de ciências da linguagem, para acrescentarmos que é precisamente a fala, organizada em sistema coerente e simbólico, o que mais nos distingue das espécies animais que habitam connosco este planeta.. Tal culminar em SETE remete-nos necessariamente para a simbólica da construção: uma casa, como a desenhará qualquer criança, é um triângulo sobre um quadrado.

Esta associação do triângulo com o quadrado também podia ser tomada de forma menos prosaica e menos profana se nos lembrássemos que o sagrado tetragrama da cabala aparece gravado no centro de um triângulo, símbolo que, por sua vez, se ostenta no pórtico de muitas igrejas cristãs. É o nome de Deus, que não se pronuncia e apenas se soletra: Iod, He, Vau, Hé.

Quando o Dr. Gerar Encausse, vulgarmente referido pelo seu nome iniciático de Papus nos propôs, no seu Traité élémentaire de Science Occulte, analisar as questões da Pristina Sophia, tendo em atenção as quatro realidades tradicionais — Deus, o Universo, a Natureza e o Homem — certamente que não ilidiu o pressuposto de que a chave mestra da descodificação humana é o triângulo, isto é, o número três. De tal forma não ilidiu que, na mesma obra, declarou que toda a doutrina oculta se pode classificar em três secções fundamentais: os princípios, as leis e os factos.

Quanto a nós, a convenção básica de todo o entendimento tradicional é a triunidade — como é Acima é em baixo — ou, em termos dialécticos: tese, antítese e síntese (mercúrio, enxofre e sal) e representa-se pelo triângulo. Em correspondência com esta convenção, que resulta duma dependência incontornável, todas as escolas esotéricas e iniciáticas, por mais que possam comportar uma grande pluralidade de graus, em boa verdade têm apenas três e não mais do que três, e tudo o mais será espelhismo, necessidades pedagógicas e convenções particulares que se justificam mais na História e na cultura do que na Tradição e nas condições de iniciação.

Voltando ao tetragrama e seguindo o pensamento de Papus, diríamos o seguinte: o Iod, como princípio activo e símbolo da Teogonia, falar-nos-ia de Deus, do todo primordial; o primeiro Hé, como princípio passivo e símbolo da Cosmografia, falar-nos-ia do universo; o Vau, como princípio equilibrante e símbolo da Androgonia, falar-nos-ia de como a relação alquímica Deus-Universo produz o sal, o traço de união que é o Adam Kadmon. Por fim, se quisermos ver representado no segundo Hé o regresso à unidade, ou realização total em todos os planos vamos ter de admitir, realçando o indisfarçável sinal de repetição do Hé, que realizar não é um grau, mas o escopo de todos os graus, e assim voltamos à simplicidade das coisas, propondo-se:

1º Grau do saber. Diz respeito aos FACTOS. Estes correspondem à natureza, ao plano onde o homem tem por veículo animal um corpo de carne. Neste grau, o homem de ideias e ideais é chamado, mas só o discípulo em prova se pode dizer que é escolhido.

2º Grau do saber. Diz respeito às LEIS. Estas correspondem ao universo e exigem do estudante consciência do corpo astral. Por isso lhe chamamos discípulo aceite.

3º Grau do saber. Diz respeito aos PRINCÍPIOS. Estes correspondem a Deus e exigem do estudante a consciência da alma imortal. O discípulo passa a ser um com o Mestre e é tradicional chamar-se-lhe filho do Mestre.

Este tratamento esquemático pode parecer uma tentativa de subverter o entendimento teosófico dos cinco estágios do discipulado, mas afirmamos que não. Segundo o nosso ponto de vista, a razão é esta: a Teosofia fala de um quinto estágio, que seria o de Iniciado... Ora, iniciado não é estudante, ou não é estudante neste plano. Por outro lado, não se pode considerar estágio autêntico e autónomo de discipulado o de «homem de ideias» porque não está na senda; quando estiver, como mais atrás dissemos, será então um discípulo em prova.

Esta é uma aplicação, se se quiser, da navalha de Occam, princípio de busca respeitado em ciência, nomeadamente em Parapsicologia, o qual postula que a teoria explicativa mais simples de um facto ou fenómeno é mais válida do que aquela que introduz complicações desnecessárias

Vendas Novas (Portugal), 29 de Janeiro de 2004

Abdul Cadre frc

UMA VERDADE PUDICA


Uma verdade pessoal e íntima exige uma grande dose de pudor e humildade, coisa difícil nesta sociedade-espetáculo, hedonista e publicitária. Podemos e devemos partilhar a felicidade que tal verdade nos dê, mas não podemos exigir dos outros que sejam felizes de acordo com o nosso entendimento, nem muito menos sujeitá-los aos caprichos das nossas crenças; nem sequer à justiça que julguemos haver na nossa verdade pessoal, que deve permanecer pudicamente íntima. Partilhá-la, só a pedido e com o cuidado de prever o benefício de quem a solicita e não o exercício da nossa vaidade.
Cada ser humano tem uma forma particular de se sintonizar com a sua verdade mais íntima, mas nem todos conseguem sintonizar-se harmonicamente e, por maioria de razão, têm dificuldade em expressá-la. É plausível que expressar a nossa verdade seja útil ao outro e a nós, que nos eleve a qualidade da sintonia, mas teremos de ter presente que não será útil indiferenciadamente para todos; para alguns será até prejudicial.
Igualmente, para cada ser humano, haverá um Deus por inteiro, plantado no seu mais fértil entendimento, feito todo Ele de crenças, descrenças, dúvidas, ansiedades, desejo e medo.
Naturalmente, como contraponto ou não, haverá também e do mesmo modo o anti-Deus que a noite sempre traz e a sombra perpetua.
Afirme-se como se afirme ou negue-se quanto se queira, é do entendimento de Deus que se fala quando se fala de crer ou de descrer. Paradoxalmente, ou nem por isso, negar Deus não deixa de ser entendê-Lo da forma mais global, direta, despida e pura que livra o Ilimitado dos atributos com que os crentes pouco profundos invariavelmente O limitam, O diminuem, ao mesmo tempo que a si mesmos se apoucam e nisto se comprazem.
Por ser muita a minha ignorância, eu nem sequer sei se Deus existe ou se foi a nossa sede de absoluto que O inventou e, sendo muito pobre a nossa imaginação e demasiado pequeno o copo para a água pura de matar a nossa sede, Dele fizemos caricaturas propiciadoras do riso e do choro, mas pouco susceptíveis ao amor impessoal. Quando não se conhece o modelo é natural não ter apreço pelo retrato e apenas ridicularizar a caricatura.
Eis que, apesar da minha declarada ignorância, há uma coisa que julgo que sei – apenas por julgar saber – e que não peço sequer que aceitem como justo saber: o Deus popular das religiões instituídas é o avesso daquilo que uma imaginação fecunda e pura, destituída portanto de medo, ódio e conformação, é capaz de acalentar, construindo a verdade pela intuição e pela experiência espiritual, naturalmente que pessoal e intransmissível, embora susceptível de ser contagiosa. Impô-la é que não. Impô-la é negar aos outros a capacidade e o direito de descobrir o que têm plantado no seu mais profundo entendimento.
ABDUL CADRE

DA VERDADE ÍNTIMA


Admitindo a existência de Deus, para entendê-Lo, admitindo também que só vale o que se entende, não deveríamos, penso eu, concebê-lo como um todo que deixaria de fora o nada: o ser a excluir o não-ser.
Ora, para chamar-lhe ser, seria usar uma forma equivalente à que usamos em relação à Terra, que sabemos que não é o Sol, ou em relação ao sistema solar, que sabemos que não é a Via Láctea, que tudo isto são seres com inteligências muito peculiares, mergulhadas todas elas numa inteligência muito mais vasta, tal como cada célula do nosso corpo é um ser imbicado e participante do soma habitado pela nossa consciência, que por sua vez é uma centelha ínfima da consciência humana global e esta duma consciência maior ainda…
É por tudo isto que fico um tanto incomodado quando oiço alguém, creio que falsamente conformado, dizer: «são os desígnios de Deus», imaginando-O caprichoso; ou «Deus castiga», inventando-O vingativo; ou «Deus disse», tomando-O como um pregador de Domingo; ou «é Deus quem determina», aceitando-O prosaica e profanamente como um qualquer ditador do mundo; ou «é Deus que quer», concebendo-O como um cobrador do dízimo.
Mais incomodado fico ainda quando O discutem infra-humanamente pelos critérios de formais conveniências, pensando que Aquele em que afirmam acreditar é sujeito de malquerenças, ciúmes, concupiscências e lascívias.
Um dia virá em que a Ciência, não querendo ser religião de empedernidas mentes, se espiritualiza e se infunde no entendimento geral tornado superior. Então saberemos de experiência feita e pelo uso consciente da inteligência pura das leis que verdadeiramente nos regem.
Aí, fecharemos os templos onde, por falta de espaço, Deus não pode habitar e dispensaremos os sacerdotes, por obsoleta a profissão.
Deixaremos de precisar que nos falem de Deus, pois teremos as janelas do nosso coração abertas ao sol do universo mental. Do mesmo modo, não precisaremos que nos condicionem pelo medo com critérios do bem e do mal, pois estaremos condenados pela Lei a ser o próprio Bem ou desaparecer.
Até lá, o teatro do mundo continuará com os seus atores medíocres, palavras de conveniência e lágrimas verdadeiras.
ABDUL CADRE