segunda-feira, novembro 20, 2017

DILUCIDAÇÕES

A mente humana – objectiva e subjectiva – é, em nós, uma limitação da mente total e absoluta a que os rosacruzes chamam de Mente Cósmica. É por virtude desta potência e disposição que sentimos infundidas em nós todas as capacidades mentais que nos caracterizam como humanos. Um pouco mais aquém e eramos bichos, na melhor das hipóteses animais de companhia.

Há quem chame à mente objectiva mente concreta e à mente subjectiva mente abstracta, o que me parece nomenclatura pouco feliz. Todavia, é bom que se saiba que não existem tais mentes como realidades separadas, trata-se do entendimento de funções, de funcionalidades, porque a mente é só uma, não fraccionável. As ondas não fraccionam o mar, levam apenas a que a nossa atenção se aperceba dos pormenores.

Funcional, porquê? Vejamos: a mente objectiva permite-nos atravessar a rua sem sermos atropelados, mas é um instrumento limitado de simbolização, pois só pode socorrer-se do que já foi, usando com a eficácia possível o pensamento dedutivo, sendo por isso simplesmente racional, nem mais se lhe pode exigir; a mente subjectiva, por outro lado, alimenta-se das sensações, das emoções, das intuições e dos sentimentos, usando privilegiadamente o pensamento indutivo e o pensamento analógico.

Há racionalistas empedernidos que se vangloriam de usarem exclusivamente a mente racional. Iludem-se. Felizmente para eles – e para todos nós – tal não é possível. A sê-lo, cuidado, que a inteligência artificial está aí, disponível para as substituições.

quinta-feira, novembro 16, 2017

KABIR – 1440-1518

Bhagat Kabir Yi (San Kabir), ou simplesmente Kabir, ganhava o sustento como tecelão, mas foi um poeta, músico, místico e reformador religioso, que merece bem ser considerado como uma das vozes mais profundas e conseguidas do misticismo indiano expresso em verso.

Venerado ainda hoje como santo por muçulmanos, hindus e siks, teve como mestre espiritual (guru) Ramananda, também este um dos grandes santos-poetas da Índia medieval.

O pensamento de Kabir sofreu necessariamente as fortes influências do seu tempo e lugar, onde muito pesava a filosofia dos grandes místicos persas Sadi e Hafiz. Kabir foi um conciliador dos misticismos islâmicos e hindus; as suas expressões metafóricas comportam por igual crenças hindus e muçulmanas.

Ao ter adoptados as crenças no Karma e na reencarnação e repudiado a idolatria, o ascetismo e o sistema de castas, não é possível dizer-se se Kabir era sufi, vedantista ou vishunista, pese embora o seu nome a denotar claramente ascendência islâmica. Ele próprio se dizia filho de Alá e de Rama; os muçulmanos chamavam-lhe santo sufi e os hindus brahman.

Pregava a religião mística do amor, de idênticos contornos dos grandes poetas árabes e persas; uma pregação exigente, que requeria um grau de cultura espiritual muito elevado, susceptível de contrariar as crenças e as filosofias do seu tempo e lugar, o que lhe valeu muitas perseguições, que soube contornar.

Desprezava a santidade profissional dos ascetas e louvava «o gozo e a beleza derramados no mundo pela “Unidade Infinita”».

«Deus não está nem no templo nem na mesquita, está com todos os que o buscam», proclamava Kabir, concitando o espírito persecutório do poderoso clero de Benares, sua cidade natal.

Kabir

«Onde me procuras, meu servidor?

Repara: estou junto a ti.

Não estou no templo,

não estou na mesquita,

não estou no santuário de Meca

nem na morada das divindades hindus.

Não estou nos ritos,

não estou nas cerimónias,

não estou no ascetismo nem nas suas renúncias.

Se me buscas de verdade,

então me verás e há de chegar o momento

em que por fim me encontres.»

KABIR

(Versão portuguesa de Abdul Cadre)

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«O Senhor está em mim,

O Senhor está em ti,

como a vida está em cada semente.

Renuncia ao falso orgulho

e procura em ti o teu Senhor.

A Sua luz tem os raios de um milhão de sóis.» ​

KABIR

Versão portuguesa de

Abdul Cadre

quarta-feira, maio 17, 2017

AGOSTINHO DA SILVA - O PARADOXO E A VIDA CONVERSÁVEL

 

«A meta é provavelmente o ponto sem dimensão. E esse é muito difícil. Acho que não o vou atingir e estou contente por a meta ser essa!» AGOSTINHO DA SILVA

Chegou a este lado da vida no ano de 1906, desembarcou na cidade do Porto sob o signo de Aquário e entendeu deixar-nos no Domingo de Páscoa de 1994. Neste entretanto, foi o mais que numa só vida se pode ser: filósofo (no mais profundo do conceito), professor contagiante, escritor polifacetado, conferencista, educador, poliglota, viajante, fundador de institutos e universidades…

À semelhança de Fernando Pessoa, usou vários heterónimos, não para produzir um drama em gente, como dizia aquele, mas como matriz de uma vida conversável.

Se quiséssemos um nome para o seu pensamento, podíamos chamar-lhe «filosofia da vadiagem». Em que consiste? Tornarmo-nos na criança que se maravilha com tudo o que observa, poetas à solta e arranjarmos maneira de criar as condições adequadas para cumprir o nosso destino (que é a nossa liberdade) de contemplar o mundo tornado conversável, isto é, pacífico, fraternal e solidário. Como fazê-lo? Ser cada um aquilo que verdadeiramente é e tornar-se contagiante. Contagiar pelo exemplo e não fazer batota com o vírus que o torna humano, que é a fala, não esquecendo que esta lhe vem do céu; o que se ganha ao nascer é a voz.

O seu pensamento místico profundo, ao convergir com o entendimento de várias escolas do campo do esoterismo, tornavam-no atracção dessas mesmas escolas, sendo visitado por alguns dos seus dirigentes. Agostinho da Silva tinha então o cuidado de sublinhar ser um místico e não propriamente um esoterista, ou um hermetista.

Quando alguém se referia ao seu discurso como o “seu pensamento”, logo ele retorquia não saber se o pensamento era dele; era bem possível que o pensamento andasse por aí e que o seu mérito teria sido encontrá-lo…

Nascido português – nacionalidade que só readquiriu em 1992 – naturalizou-se brasileiro, na sequência do exílio a que se viu obrigado, por razões políticas. Foi por isso no Brasil que desenvolveu a maior parte da sua longa vida académica e deu largas à sua produção literária e filosófica, onde nenhum género lhe foi estranho. Quando nos deixou, tinha dupla nacionalidade, a sua pátria era a língua portuguesa e a sua religião a dos fiéis do amor.

A riquíssima bibliografia de George Agostinho Baptista da Silva, de seu nome completo, pode consultar-se em http://www.agostinhodasilva.pt/. Nestas linhas, vamos tão-somente tentar interpretar a figura daquele que entre amigos e admiradores era chamado apenas de «Professor». Dizemos interpretar, sabendo bem que toda a interpretação implica limitação e parcialidade. Professor, aureolado de mistério, rodeado de alunos e de pombos, sob uma frondosa árvore, no Largo do Príncipe Real, em Lisboa, é também como é referido no romance Casa da Rússia, do escritor britânico John Le Carré, que o visitou um dia no nº 7 da Travessa do Abarracamento de Peniche, a bem conhecida morada, situada na 7ª colina de Lisboa, onde acorriam em peregrinação permanente os muitos amigos e admiradores, que tinham por ele uma atracção quase religiosa.

Após uma série de entrevistas televisivas, subordinadas à designação Conversas Vadias, o pensamento do professor Agostinho da Silva chegou ao grande público, tornando-se conversa de café, nem sempre fiel, antes pelo contrário.

O seu magnetismo e a aura pública que ganhara eram tais que o número daqueles que não gostavam dele seria bem reduzido, poucos se atrevendo a criticá-lo negativamente. Um dos seus poucos detractores, o melhor que achou para dizer – citamos de cor – foi: «como filósofo, é uma fraude, mas o que mais me aborrece nele é aquela postura presunçosa e anacrónica de profeta». Todavia, tal remoque mais se destacou pelo azedume do que pela originalidade, pois é certo que alguns comentadores de boa vontade e respeito o designavam como um misto de filósofo grego e profeta bíblico.

Do muito que se dizia e comentava, diríamos nós que aqueles mais virados ao orientalismo chamavam-lhe Mahatma; os tocados pelo new age diziam que tinha vindo do futuro; os esoteristas queriam-no como mestre; os ateus lamentavam que ele não repudiasse a crença em Deus, os cristãos que ele fosse budista e os budistas que ele fosse cristão; os monárquicos queriam-no para alferes da pátria, os conservadores chamavam-lhe comunista, os comunistas chamavam-lhe intelectual burguês, os amigos do autoritarismo chamavam-lhe anarquista.

Que bom, para quem dizia que não tinha discípulos, porque quem puxa carroça é burro; que discutir, que etimologicamente significa sacudir, é bom, porque, mais do que despertar-nos, não nos deixa adormecer; que se a natureza quisesse que todos pensássemos igual não dava uma cabeça a cada um.

Ele nunca quis discípulos, apenas procurou despertar no outro a chama tímida ou ignorada com que veio a este mundo. Além disto, sendo certo que não desprezava os livros, nem o saber de que eles são depósito, prezava bem mais a vida, que ela sim é que é mestra.

Quando lhe perguntavam se se considerava um esoterista, ou um ocultista, dizia que não, que o Pessoa é que sim, ele seria simplesmente, se lhe quisessem pôr uma etiqueta, um místico, cuja principal característica é o amor no seu sentido mais lato, implicando naturalmente o amor ao saber. Dizia ele: «Talvez o maior amor seja o dos místicos, porque esse tem consigo a suprema qualidade de nunca ser plenamente realizável».[1]

Quando lhe diziam do quão utópicas eram as suas proposições, respondia que pois claro, pois que se referiam ao futuro. Não seriam utópicas se havidas no passado, pois que utopia é aquilo que ainda se não realizou, aquilo que ainda não teve lugar, segundo a própria etimologia. Não se trata de coisas impossíveis. A utopia de hoje é a realidade de amanhã.

É bom que se diga que as propostas de Agostinho da Silva, classificadas por muitos como utópicas, partiam de exigências bem simples, que ele invocava como a base da verdadeira sociologia e chamava do princípio dos três esses: o sustento, a saúde e o saber.

Depois, quando afirmava que não era pelo heterodoxo nem pelo ortodoxo, mas sim pelo paradoxo,[2] punha em tudo isto o cerne do mistério da Religião e da Ciência, bem como de todo o conhecimento. Veja-se o grande paradoxo da Geometria: o ponto, que não tem dimensão, desenha todas as dimensões, toda a geometria conhecida. Também Deus poderá ser visto como o supremo ser paradoxal, pois tem a fatalidade de ser livre, sendo assim o modelo de todos os paradoxos e o poeta à solta por excelência. Então, se o concebemos como modelo, fundamos necessariamente o nosso dever de ascender ao paradoxo. A conquista do paradoxo impede que nos acusemos mutuamente. Quem é que não sabe que é sempre um ortodoxo que acusa outro ortodoxo de ser heterodoxo?

O seu contacto com a cultura japonesa – foi bolseiro da UNESCO no Japão – despertou-lhe o interesse pelo xintoísmo e pelo Zen budismo. O seu apreço pelo paradoxo fê-lo dizer que podíamos definir o Zen como um sistema paradoxal por excelência, aquele que admite que alguma coisa seja sempre alguma coisa e o seu contrário. Se perigo existe nisto, é a impossibilidade de um verdadeiro código moral.

Tendo estudado profundamente várias religiões, incluindo os cultos afro-brasileiros – participou em rituais de candomblé – dizia do islão que o critério da submissão – etimologia de islam – não lhe era simpático, já que a liberdade é o nosso dever ser, mesmo que paradoxalmente se possa dizer que o nosso destino é a nossa liberdade e a liberdade o nosso destino. O seu fervor ia para o que se referia à Idade do Espírito Santo,[3] na sequência do pensamento de Joaquim de Flora[4] e das propostas de Francisco de Assis, cuja anunciação ritual e simbólica remonta em Portugal às acções da Rainha Santa Isabel[5]: as festas (culto) do Espírito Santo, a coroação do Menino Imperador do Mundo, a libertação dos presos, a vida gratuita.

A sua grande admiração pela Fé Bahá’í, levou algumas pessoas a pensar que ele seria membro desse culto, mas Agostinho da Silva, poeta à solta, não pertencia a nenhuma igreja instituída, nem a partido político ou grupo. Todavia, do seu ponto de vista, a Fé Bahá’í constituía uma atitude religiosa que valia a pena estudar, entender e praticar, pois enquadrar-se-ia nos valores constitutivos do Quinto Império.[6]

Não se confunda Quinto Império com qualquer mando ou poder mundano, conote-se sim com quinta-essência, Idade do Espírito Santo, Era de Aquário. Veja-se em Fernando Pessoa, veja-se na Ilha dos Amores.

E saiba-se que as propostas Bahá’í,[7] agostinianas e pessoanas têm imensos pontos convergentes e coincidentes com a «Utopia Rosacruz», conforme contida no manifesto Positio.

Voltemos então à vida conversável: «… a pluralidade e até a contradição de opiniões «obriga a pensar e a escolher e é pela escolha que se afirma a liberdade de cada um»[8]. Será, pois, pela via do conversável – da poesia à solta – que a vida se desenvolverá, «porque o mundo acaba sempre por fazer o que sonharam os poetas»,[9] sendo que «poeta é todo aquele que cria».[10] Afinal, «o mundo é só o poema em que Deus se transformou»[11]. Então, bastas vezes o professor dizia que há duas coisas muito importantes que devemos aprender: o quão extraordinário é o mundo e sermos por dentro tão amplos quanto possível, para que o mundo todo possa entrar, sem esquecer que um dos significados da palavra mundo é limpo. Por isso, devemos querer o mundo e não o seu contrário, que é o imundo. Todavia, «seria preciso não viver para negar que o mundo seja mau; mas é nessa mesma maldade que devemos procurar o apoio em que nos firmarmos para sermos nós próprios melhores e, como tal, melhorarmos os outros»[12]. Este melhorar os outros, porém, exige muita empatia e um cuidado apurado quanto à intransigência. «Ser intransigente com os outros não tem grande sentido; eles são o que podem ser e creio que seriam melhores se o pudessem; a Natureza ou o meio lhes tiraram as condições que os levariam mais alto; não os devo olhar senão com uma íntima piedade.»[13]Afinal, «o mal que se vê é aguilhão para o bem que se deseja; e quanto mais duro, quanto mais agressivo, se bate em peito de aço, tanto mais valioso auxiliar num caminho de progresso.»[14]

Quando o tomavam por vegetariano, costumava dizer que evitava comer bicho, porque os bichos não tinham culpa de que ele precisasse de comer…

Mas um certo dia, em sua casa, um grupo alternativo condenava com paixão a crueldade dos caçadores. Ele ouvia, ouvia pacientemente e a dada altura remata: pois é, matar os pobres dos pássaros, que não fazem mal a ninguém… Claro, é cruel. Mas por outro lado, já viram quanta perícia é necessária para apontar a arma a um bicho assim tão pequenino e acertar-lhe em pleno voo?

Era a sua forma de ver as coisas pelo seu conflito intrínseco e a aplicação didáctica do princípio cristão de «não julgarás». Nisto, por vezes, chegava a ser desconcertante. Numa entrevista, dizia: «Não há homem algum que não possa ser elogiado; às vezes os assassinos têm pontaria excelente; e não existe homem algum que não possa ser censurado; houve santos que não tomavam banho».[15]

De ser desconcertante poderia falar aquele franciscano que fora convidado para dar início à ideia do professor de uma Faculdade de Teologia e que, quinze dias depois da chegada ao Brasil, vindo de Portugal, continuava à espera, sem nada para fazer. Foi ter com o professor: «então, a Teologia?». Responde-lhe o Professor: «Meu querido irmão, faça o seguinte, escolha um lugar sossegado onde ninguém o possa ver ou perturbar, sente-se numa pedra e pense em Deus, sem nunca se distrair, pelo tempo que possa».

A ideia de Agostinho da Silva para uma Faculdade de Teologia, era um lugar onde residiriam em permanência teólogos de várias religiões com a missão de investigarem, ensinarem e trocarem experiências teológicas. Nunca tal concretizou e o máximo que conseguiu foi uma Faculdade de Teologia restritamente católica, entregue aos dominicanos, com quem acabaria por se dar excelentemente. Foi por eles convidado para falar sobre o ateísmo e acabou por converter um deles às suas teses.

Uma das teses era de que alguns dos ateístas «tinham uma vida mística tão forte e tão sensível quanto a de qualquer homem religioso»[16]. Outra tinha a ver com as relações entre religiosidade e mística, pois entedia que «há milhões de pessoas religiosas cuja vida mística é nula, sendo praticamente uma vida comercial, visto comprarem um certo número de coisas por meio de certos actos e cerimónias e mais nada»[17].

Em Julho de 1986, entrevistando o professor Agostinho da Silva para o Diário de Notícias, a jornalista Antónia de Sousa dizia a dado passo: "O professor é contagioso...", ao que ele retorquia: "Se o contágio é bom, excelente! Se o contágio for considerado ruim, péssimo!".

É que há palavras que são vírus de matar a Graça, a charis. Por exemplo: competição, produtividade e rendibilidade, que são formas de negar a fraternidade, a liberdade e a igualdade. Tal trindade agnóstica dos economistas deste tempo que passa, envolve o desprezo do homem, da natureza e do sagrado. O homem tornado ser descartável, a natureza como uma serva e o sagrado como postura tola de poetas vagos e beatas serôdias. E assim a vida se nega pela assunção da morte e esta nos despreza, porque a escolhemos por engano.

E há palavras que são vírus de enganar, como o moderno diálogo, que é o divórcio na fala pela emulação dos monólogos; a língua bifurcada com palavras de pontas aceradas, esperando a rendição. Falsamente polidas, envenenadamente sopradas. Eis o credo ainda insepulto e já cadáver, a sombra que passa. Diálogo que, como dizia o mestre, tem o mesmo prefixo que diabo, que é aquele que divide. Diabo que só existe quando lhe damos existência.

E há ainda palavras de ornamento, inúteis como togas, e outras de ruído que empapam a conversa. E há o discurso da promessa e do apelo, a ameaça e os esbirros de soslaio. Mas vem o menino imperador e diz: "basta!" Nem grades nem ornamentos. O menino tem o sorriso bondoso e matreiro do velho professor. Está como sempre esteve, no Príncipe Real, a dar milho aos pombos e palavras de eucaristia aos jovens atentos. Como o viu John Le Carré e quase assim o pôs na "Casa da Rússia" . O escritor só não viu que este era um ritual, um quase conjuro do grande banquete do Espírito Santo, que Isabel, influenciada por Joaquim de Flora, inventou para um dia – um dia de comer de graça para todos – e nós temos de ser capazes de em futuro mais ou menos próximo prolongar por todo o ano. E aí à mesa se conversa, que é o modo mais humano de comunhão dos alimentos do corpo e da alma.

Conversar sim, que é colocar-se a gente na posição do outro. Em conversão, que é um caminho de dois sentidos, uma postura de mútua descoberta.

NB:

Das obras mencionadas em rodapé consulte-se a bibliografia no site mencionado no corpo do testo


[1] “Sete Cartas a Um Jovem Filósofo”

[2] Uma das obras de Agostinho da Silva chama-se precisamente Reflexões, Aforismos e Paradoxos.

[3] Os esoteristas diriam Idade de Aquário

[4] Teoria das três idades: do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

[5] De educação e ascendência cátara, à Rainha Santa Isabel atribui a lenda o célebre milagre das rosas: teria transformado moedas de ouro nas mencionadas flores. O curioso é que à sua tia-avó, Isabel da Hungria, também a lenda diz o mesmo. De Santa Isabel, o que muito poderá despertar a curiosidade dos rosacruzes é a sua relação com o médico, astrólogo e alquimista Arnaldo de Vilanova. O túmulo da santa, com o seu corpo incorrupto, encontra-se no Convento de Santa Clara-a-Nova, em Coimbra

[6] «Raízes Intemporais da Vida e da Alma de Agostinho da Silva», Ellys, editora Sete Caminhos, Lisboa, 2006.

[7] É bom esclarecer que os célebres colóquios «TRADIÇÃO E INOVAÇÃO – SUA UNIDADE EM AGOSTINHO DA SILVA», que tiveram lugar na Faculdade de Letras do Porto (1996-1999), se deveram ao grande empenhamento da associação agostiniana CADA, onde membros da AMORC e seguidores da Fé Bahá’í tiveram a iniciativa.

[8] “Carta Vária”

[9] “Conversação com Diodima”.

[10] “Conversas Vadias”, entrevistas televisivas. Foram publicadas em DVD

[11] “Quadras Inéditas”

[12] “Parábola da Mulher de Loth”

[13] “Diário de Alcestes”

[14] “Considerações”

[15] “Conversas Vadias”

[16] «Vida Conversável», textos organizados e prefaciados por Henryk Siewierski, Assírio & Alvim, Lisboa, 1994

[17] Ibidem

sexta-feira, maio 12, 2017

DO ABSOLUTO EM IBN ARABI

 

 

Vendas Novas 13 de Novembro de 2013

Se é que não estou a deturpar o pensamento de Ibn Arabi, nele o ontológico prevalece sobre o teológico, o que, de certo modo, constitui uma heresia, se se tomar à letra o que diz o Alcorão. O seu entendimento de que Deus é uma forma fenoménica, isto é, manifestada, ou adaptada por algo precedente – O SER ABSOLUTO – levaria à histeria qualquer wahabita primário. Sorte de Ibn Arabi, porque Muhammad ibn 'Abd al-Wahhab veio ao mundo muitos séculos mais tarde.

Para Ibn Arabi, o Absoluto pode conceber-se em cinco planos: aquele que lhe é próprio – o da sua absolutidade – e mais quatro da sua manifestação (ou descida):

- O Absoluto manifestando-se como Deus;

- O Absoluto manifestando-se como o Senhor de tudo:

- O Absoluto manifestando-se como mundo sensível.

Este último plano é o dos minerais, vegetais, animais e humanos; é o plano da mundanidade.

O plano mais elevado, digamos assim, seria o do Uno, que em Ibn Arabi não significa nem conjunto de muitos nem o oposto a estes, dado que neste plano o conceito de oposição não faz qualquer sentido. Aqui, «uno» antecede qualquer manifestação, sendo, todavia, a sua fonte.

Todos estes planos, entendidos como uma descida até ao mundo onde vivemos e agimos, implicam a possibilidade de ascensão, cujo corolário é a chamada «união mística».

No pensamento de Ibn Arabi, o mais interessante, porém, é o conceito de perpétua criação, ou seja: o Universo não foi criado e pronto, está permanentemente a ser criado (ou recriado); ele existe e não existe a cada instante…

Trazendo à colação os conceitos rosacruzes de vibração e de teclado cósmico, podemos chegar também às metáforas de Agostinho Da Silva a este propósito e comparar a criação (atendendo a Ibn Arabi) com a feitura de um filme, que se constitui com imagens paradas, as quais, fazendo-se suceder (como sucedem as vibrações), produzem a sensação do movimento.

No filme da manifestação cósmica total, tudo se aniquila e recria a cada ínfimo instante, razão pela qual não podemos repetir a mesma vivência em momentos distintos; não podemos, nos dizeres de Hiraclito, banhar-nos duas vezes nas águas do mesmo rio.

Aceite este modo de pensar, pouco importarão as especulações à volta da natureza de Deus, da Sua vontade, ou da sua palavra na boca dos profetas – coisas da Teologia –, importará bem mais a descoberta dos caminhos de realização e ascensão, admitindo que cada instante de recriação cósmica permite novas e mais gradas qualidades.

Abdul Cadre

quarta-feira, maio 10, 2017

DIETA DO ASTRONAUTA

VIGIE A SUA SAÚDE CONTROLANDO O SEU PESO

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É um factor importante para a sua saúde

Na preparação dos Astronautas os problemas do controle do peso têm merecido a maior atenção Como resultado dessas preocupações foi criada uma tabela alimentar que permite muito facilmente um conhecimento, suficientemente exacto, do valor alimentar dos diferentes tipos de alimentos

O uso dessa tabela implica o conhecimento das seguintes regras:

1) As refeições devem ser tomadas a horas certas.

2) A manutenção do peso exige que não se ultrapassem 30 pontos diários.

3) Para perder peso devem somar-se diariamente o menor número possível de pontos, abaixo de 30.

4) Um regime alimentar, durante 20 dias, com pontuação nula, poderá proporcionar uma perda de peso à volta de 5 quilos.

Nota importante:

Não siga este regime alimentar se tiver problemas de saúde Só o médico poderá tratar o seu caso.

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terça-feira, março 28, 2017

A ALMA

Publicado primitivamente em VERSÍCULOS DO HOMEM

http://abdul.vhblog.zip.net/arch2015-03-08_2015-03-14.html#2015_03-14_18_25_21-100040881-0

 

«A fé não será mais do que uma superstição e uma loucura se não tiver por base a razão, pois não se pode supor o que se ignora sem ser por analogia com o que se sabe. Definir o que não se sabe é uma ignorância presunçosa; afirmar positivamente o que se ignora é mentir. » (Dogma e ritual da alta magia). Eliphas Lévi.

 

 

14/03/2015

Se observarmos neste nosso ocidente, seja dentro das fronteiras de um dado país, seja no concerto internacional, os meios espiritualistas como um todo, excluindo da observação as grandes religiões institucionalizadas, o que mais salta à vista, para além da enorme profusão de grupos místicos, esotéricos, ocultistas e afins é a multiplicidade das terminologias difíceis de conciliar e o excesso dos conceitos, por vezes pouco rigorosos, muitas vezes nada adiantando para o entendimento, mas pecando quase sempre no acrescento das confusões e das controvérsias. Pior ainda, no próprio seio de cada grupo específico, salvas as devidas proporções, como é evidente, o problema é similar.

As nomenclaturas excessivas são invariavelmente um prejuízo para a clareza das afirmações e dos entendimentos; tentar alcançar nomenclaturas convergentes e integrantes, sendo sem dúvida um esforço louvável, raramente é compensador.

De qualquer modo, cremos que o que mais agrava este problema é sobrarem os pretensos mestres e os portadores de certezas e escassearem, na mesma proporção, os verdadeiros buscadores com a humildade suficiente para perceberem que a “verdade” de cada um é apenas uma versão entre as inumeráveis versões possíveis. Diríamos assim que o verdadeiro buscador se caracteriza por esta humildade e por uma dedicação inexcedível à procura do propósito da vida. Por isso costumamos dizer que ele vive de propósito e se alimenta da incerteza, porque sem esta não há questionamento; todos aqueles pontos que outros julgam de chegada, para ele são invariavelmente de partida.

Para quem busca, perguntar é mais importante do que responder; responder é bastas vezes subsumir fenómenos plurais às causas únicas em que previamente se crê, justificando assim a crença. Ora, por mais que as crenças possam gerar lídimas expectativas, o que parece ser claro e insofismável é que tendem a criar e a enaltecer ilusões, a distorcer toda a experiência.

A crença alimenta o reducionismo e este é uma arma ideológica ao serviço das submissões organizadas, sejam elas políticas, religiosas ou simplesmente de poder. O reducionismo é o garrote mais tenaz nos fenómenos de empobrecimento intelectual. Mas adiante.

Para os idealistas desprevenidos que pretendem introduzir-se neste universo, por vezes delirante, dos saberes incomuns, onde a discussão sobre o sexo dos anjos se sobrepõe ao que é essencial, pode bem ser que quanto acabamos de dizer não seja coisa que mereça muita atenção nem constitua aviso sério ou sinal de perigo. De certo modo, pode até ser excitante, porque o pior talvez não seja isto, mas sim toda uma fancaria literária – especialmente a contaminada pelas perniciosas fantasias new age – que produz um sério envenenamento mental dos que não prestam atenção a que o papel aceita tudo o que lá se escreva. Nos carentes de espírito crítico, isto chega a produzir dependências similares às das drogas químicas.

Os que chegam aqui, desiludidos as mais das vezes com as velhas igrejas, mais não fazem que substituir uma ilusão gasta por ilusões que o hão de desgastar.

Não cabendo na presente exposição falar alongadamente da imensa confusão dos conceitos, provocada pela multiplicidade quase sempre desnecessária das designações e pela superficialidade das assimilações, nem muito menos – por falta de espaço – clarificar tudo isto que acabámos de referir à vol d'oiseau, queremos desde já prometer que nos esforçaremos por não aumentar a confusão criticada.

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Nesta oportunidade, é de alma que queremos falar, que é um conceito que todos pretendem entender, mas o facto é que o fazem de uma forma tão particular que não conseguem encontrar quem lhes diga: é isso mesmo. São tantas as imagens conceptuais que se inventam para a alma que, defini-la com precisão se torna uma tarefa impossível. Aliás, definir o que quer que seja é traçar limites, e bem dizia Heraclito que não encontraríamos tais limites, por mais caminhos que percorrêssemos, dada a sua profundidade.

Sendo assim, não esperamos, como é óbvio, a concordância do leitor, apenas lhe pedimos que reflicta sobre as muitas concepções a propósito, entre as quais a nossa. Verá, pensamos nós, que o entendimento não é unívoco e creia que a sua (ou a nossa) crença do momento não é defensável como sendo a crença definitiva para todos os momentos.

A plasticidade das ideias deriva do fluir do tempo. Os gregos pré-socráticos acreditavam na existência de duas almas: a alma alento (thymós), mortal, que usava privilegiadamente os pulmões e o coração e a alma intelecto (digamos assim), que actuava na cabeça e sobrevivia à morte do corpo físico: a psyché. Platão falava-nos, e Aristóteles também, de três almas. A nomenclatura das mesmas, para o primeiro era a seguinte: alma do desejo (produtora da concupiscência), alma do valor (donde nos vinham os impulsos elevados e a vontade) e a alma do entendimento (que nos conduziria à verdade e à compreensão). Na terminologia aristotélica, as três almas eram a alma vegetativa, a alma animal e a alma racional. Já Pitágoras não compartimentava a alma, que considerava de origem divina, diminuída, porém, pelo pecado original. A sua purificação far-se-ia pelo saber e pelas reencarnações.

Os chineses, na sua religiosidade popular, conseguem distinguir dez almas, organizadas em dois aspectos: o aspecto PO (mortal), contendo as sete emoções (cólera, desejo, medo, tristeza, júbilo, amor e ódio) e o aspecto HUN (imortal), composto pelo intelecto, a sensibilidade e a memória.

Quando a Psicologia era apenas uma introspecção – a chamada psicologia na primeira pessoa – tudo parecia claro a crentes e descrentes, aos que acreditavam na existência da alma e aos que negavam. Ligada ou não à herança grega, a teologia apontava para que a alma fosse uma entidade imaterial, que permaneceria para além da morte no céu, no inferno ou por aí. De qualquer forma o peso do significado do termo psicologia não podia ser aliviado. A Psicologia – ciência (ou estudo) da alma – era então uma disciplina integrada na Filosofia.

Com o advento da psicologia na segunda pessoa, o que mais mudou nas crenças e entendimentos foi a susceptibilidade de invadir intimidades, coisa muito apetecida por sacerdotes e conselheiros espirituais e que abriu a porta a terapias da alma e a cátedras inovadoras. Em consequência, para um grande número de pesquisadores, entendia-se a alma como um conjunto de qualidades emocionais, tidas como opostas às qualidades racionais e intelectuais.

Daqui até à psicologia na terceira pessoa foi um pulinho e o interesse pela alma em sentido espiritual desvaneceu-se; a «ciência da alma» afinal já não estudava a alma, mas sim o comportamento – até dos bichos – e, neste aspecto, não se lhe via qualquer vantagem ou distinção de relevo em relação à sociologia. Claro que, do ponto de vista académico, não se pode simplificar tanto, as coisas são um pouco mais complexas, pois várias são as escolas de psicologia e algumas tendem mesmo a repor certos valores próprios da metafísica. Tenhamos presentes os aportes da psicologia analítica de Jung, por exemplo. Mas deixemos isto.

O esoterista Louis Lucas, autor do livro Roman Alchimique, dizia que a alma é uma criação da nossa própria pertença, afirmação concordante com o seu contemporâneo Papus, para quem a vida é dada ao homem para que ele a transforme numa força mais alta: a alma. Para Papus, a alma não seria congénita ao ser humano, seria uma resultante: o produto da vontade bem dirigida e o efeito cuja causa está em nós.

A estes dizeres costumamos nós acrescentar que a alma humana é uma conquista, mas que a alma que nos ilumina é uma outorga, pelo que realizarmo-nos espiritualmente é fazer coincidir a conquista com a outorga.

É evidente que estas três concepções arrepiam completamente as crenças comuns de católicos e protestantes, para quem as almas são geradas por Deus uma a uma e de propósito para animar cada um que nasça…

De qualquer forma, nada disto nos diz de forma inequívoca o que é a alma e não ficamos mais esclarecidos se nos debruçarmos sobre os muito tratados produzidos a oriente e a ocidente sobre o assunto, até porque, muito do que se designa por alma se refere a realidades diversificadas. Por exemplo, Rodolfo Steiner chama alma ao que outros autores chamam corpo astral. E este será também o sentido que se pode retirar do que atrás referimos de Papus e Lucas.

Muitas das concepções sobre a alma, se as escalpelizarmos, negam o princípio de que partem, da sua “imaterialidade”, da sua invisibilidade. Isto dá aso a aparecerem nos meios de comunicação faits divers do género: descobriu-se quanto pesa a alma…

Neste sentido, no oriente não se pesam as almas, talvez porque se distingam muito acuradamente a alma humana (o verdadeiro eu – Atman), da alma universal ou Brahma.

Ao escrevermos atrás “imaterialidade”, entre comas, tínhamos em mente algo que não vamos desenvolver aqui. É que pode ter-se o entendimento de que tudo seja matéria em níveis diferentes de manifestação (ou de consciência). Neste caso – evidentemente – teríamos de assentar no que é que se entende por matéria. Veja-se que, para os pitagóricos, o homem representava uma unidade de contrários, uma harmonia entre o corpo finito e a alma infinita. Aliás, para eles, finito e infinito sustentavam-se mutuamente

Ultrapassando este quid pro quo e tendo em vista desembaraçarmo-nos de confusões improfícuas, caberá dizer-se que o nosso pensamento, contrariando muito do que é corrente no meio esotérico, vai no sentido de dizermos que existem dois – e apenas dois – planos de existência: o finito (mundano e objectivo), acessível às ciências académicas, e o infinito (espiritual ou metafísico), dito por vezes invisível. O que se queira conceber entre um e outro plano não poderá constituir um terceiro plano, mas uma twilight zone, uma zona onde o astral e o subatómico se misturam. Onde dissemos astral, poderíamos ter dito psíquico. Neste entendimento, falarmos de corpos, no invisível, só pode passar como retórica, estilo ou necessidade didática.

Os planos de existência catalogados pelos ocultistas não são lugares, mas tão-somente modos de ser e de estar. As concepções trinas, quaternárias, quinárias, septenárias (e outras) são tentativas de entender e explicar a existência fazendo uso de esquemas mentais simplificadores que, ao fim e ao cabo, mais confundem do que simplificam. Quando queremos falar da realidade mais profunda, podem sobrar as palavras – e elas são invariavelmente excessivas – mas o que elas signifiquem será sempre insuficiente e impreciso. Por outro lado, conceber-se um modelo para representar essa realidade, tem sempre o ónus de distorcê-la.

Quando se diz que o corpo humano se divide em cabeça, tronco e membros, estamos no campo da didática, queremos distinguir funções específicas, não estamos no campo da demonstração de três realidades diferentes. Separada que seja a cabeça do resto do corpo não será de corpo que se fala, mas de cadáver mutilado. Por maioria de razão, nada é separável no “invisível”, naquilo que é inconsútil por natureza. No invisível, isto é, no infinito o espaço não é concebível, a tridimensionalidade é um absurdo e o tempo perde o sentido. A seu respeito, o mais que podemos imaginar – por razão e por intuição – são escalas vibratórias. Mas cuidado com a imaginação, porque esta palavra não deriva apenas de imagem, também leva no ventre a palavra magia. E não há magia que nos faça ver nem imagem que se veja que nos desoculte o mistério, para além das crenças comuns de religiosos e esoteristas, de como é que o imaterial pôde manifestar o material, malgrado bem sabermos que o ponto (sem dimensão) deu origem a todas as dimensões, a toda a geometria conhecida, como diria Agostinho da Silva. Os cientistas, que detestam – e fazem bem – todo o mistério (no sentido de inexplicável), retorcem-se e não conseguem explicar como as partículas subatómicas se convertem em matéria, daí tanto se excitarem com o bosão de Higgs, popularizado como partícula de Deus, susceptível de aliviar tanto stress.

Pois bem. Chegados aqui, pedíamos ao leitor o seguinte esforço: tente aceitar, como puro exercício reflexivo, a concepção que mais abaixo tentaremos desenvolver, a qual não é apenas nossa, embora leve, obviamente, a nossa marca. É uma concepção muito grata aos rosacruzes dos altos graus que o leitor, se acaso tem facilidade de investigar psiquicamente, poderá comprovar por si. Se este for o caso, virá a concordar que as teorias dos cinco corpos, dos sete corpos e explicações semelhantes fazem parte de um modo de produção em que livros reproduzem livros, aos contos se acrescentam pontos, às crenças mais crenças e, da experiência, do estudo, da meditação pouco vem. Ou nada vem.

O exercício reflexivo é o seguinte: Vamos admitir que o Absoluto – a que podemos chamar Deus – contém em si tudo o que existe e tudo o que não existe e, sendo assim, toda a inteligência ali reside. Ao exercício dessa inteligência podemos chamar Consciência Cósmica, cuja manifestação e expansão se faz mediante um fluxo energético com duas polaridades: à polaridade negativa, de características pró-materiais, poderíamos chamar maré de vida; à polaridade positiva, de características imateriais, chamam os rosacruzes alma universal. Para os mesmos rosacruzes, este fluir, que designámos atrás por maré de vida conteria em si duas energias: a energia espírito e a força vital. Mas aqui surge uma pequena divergência da nossa parte às propostas tradicionais de base dos rosacruzes, que nem divergência será, mas apenas nuança, perspectiva e simplificação; nós, que somos estudantes apenas, identificamos a maré de vida com a própria energia espírito e estamos em crer que a força vital – o prana da tradição hindustânica ou Chi, segundo os taoistas – resulta da interacção com a alma universal. Não seria possível sem esta.

Nesta concepção, cabe referir algo que achamos muito interessante, que dizia Blavatsky: a matéria é espírito cristalizado e o espírito é matéria subtilizada. Isto levar-nos-ia à tal concepção de dizermos que tudo é matéria (ou que tudo é espírito).

Dado que nos temos referido a espírito e a espiritualidade – toda a pobreza resulta da imprecisão e insuficiência das palavras –, tenhamos cuidado, porque quando falamos de espiritualidade e dos valores e natureza espiritual do homem, não nos referimos propriamente à energia espírito, mas sim aos influxos superiores da Consciência Cósmica no homem. Acontece, porém, que falarmos destes influxos implica termos em mente que eles se exercem sobre alguma coisa, tal como em electricidade não podemos conceber o polo positivo sem o negativo, caso contrário não haveria corrente. Eis, nisto tudo, a dualidade nos seu esplendor,

É bem-sabido que para muitos entendimentos, verbo gratia religiosos, espírito e alma são a mesma coisa; para outros, nomeadamente para os rosacruzes, trata-se de duas essências igualmente divinas, mas de frequências vibratórias distintas: mais elevadas as da alma, mais baixas as de espírito, que por serem, digamos, mais densas manifestam-se primariamente nas formações subatómicas.

A alma, pela sua subtileza e altíssima vibração é indivisível e inseparável da sua fonte. Ela infunde no homem as características psíquicas e só psiquicamente se pode manifestar, nomeadamente como veículo de consciência. Esta é a razão dos campos intermédios, que referíamos atrás com a expressão pouco rigorosa de twilight zone. O corpo psíquico (nomenclatura rosacruz), o envoltório fluídico (nomenclatura martinista) o corpo astral (nomenclatura mais comum na literatura esotérica) é a ponte entre a alma e o corpo físico.

E não se veja contradição à nossa crítica atrás, de acharmos inapropriado falar de corpos no invisível, porque as vibrações mais baixas do astral, em certas condições, podem estimular os nossos sentidos objectivos, nomeadamente a visão. Se tivermos acesso a um bom microscópio não vamos dizer que os micróbios são invisíveis.

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Para terminar, diga-se então que o corpo psíquico (ou astral) não é a alma; aquele é mortal e esta é imortal, porque inseparável da fonte. Esta é a razão de costumarmos dizer em tom de brincadeira, mas que todavia é uma afirmação séria, que nós não temos alma, é a alma que nos tem. Temos, obviamente, o seu influxo, que produz na nossa personalidade um desejo de eternidade e um desejo de altura, que a leva a querer reflectir, a querer parecer-se com a alma. Daqui o conceito personalidade-alma (personalidade da alma ou alma personalidade), que pode justificar a afirmação de Louis Lucas de que a alma é uma criação da nossa própria pertença. Criação progressiva, diríamos nós, porque esta alma humana ascende e progride em sucessivas reencarnações.

quinta-feira, março 09, 2017

FALAR DE AMOR SEM RECURSO AO MANUAL

 

Falarmos de amor nem sempre se entende na dimensão que lhe queremos dar. A nossa sociedade hedonista pensa o amor em termos estritamente físicos e mundanos. Por virtude disto (ou defeito) ouve-se amiúde a estafada frase «fazer amor», como se o amor fosse uma espécie de artesanato. O que quem usa a frase quer dizer na sua é copular, ter relações sexuais, etc., e bem andam os jovens quando lhe chamam curtir. Mas isto não é amor? Não, não é, é curtir. Alimenta-se da energia global que chamamos amor, mas não é amor, é uma componente biológica deste, estreitamente ligada ao instinto de sobrevivência, ao repúdio da morte. Cabe na dicotomia Eros e Tanatos, não mais do que isso. Se não, qual a componente de amor relacional no sexo comprado? Qual o amor – se o ódio (sua inversão) o não assiste – da prostituta com o seu cliente?

Mas impõe-se que se diga que, no amor pessoal entre um homem e uma mulher, a sexualidade, para além da sua função reprodutora, tem um papel extremamente relevante na sintonia emocional e no equilíbrio fisiológico, mediante o princípio do prazer. Toda a energia gasta no acto é energia que se recupera em termos de saúde e saciedade, o que reforça o amor conjugal, por mais que se queira ver aí apego apenas. Sê-lo-á certamente se a condição de dádiva for prejudicada pela de posse.

Perguntar-se-á então o que se passa na homossexualidade. Do meu ponto de vista, o acto sexual entre pessoas do mesmo sexo estará inevitavelmente diminuído das principais componentes que tornam a sexualidade necessária e apaziguadora, por muito que possa ser gratificante.

A intimidade física, emocional e intelectual entre dois seres que mutuamente se atraem, envolvendo sexo u não, prendem-se com o que o amor impessoal tem de mais englobante e unificador da humanidade, que é o sentido libertador dos limites do eu. Uma expansão do eu, digamos assim. Aqui é preciso fazer notar que usamos o conceito «eu» como o usa a filosofia, a psicologia e o senso comum. Nada daquelas confusões ocultistas e dos navegantes nas fumaças New Age. O eu é o eu, a faculdade de dizer tu. Cresce quando somos capazes de dizer eu sou tu. Cresce ainda mais quando somos capazes de sentir sermos um com toda a humanidade, um com todos os seres, com todas as coisas.

Falamos de expansão da consciência.