domingo, dezembro 23, 2018

OS ANIMAIS TERÃO SENTIMENTOS?

Histon, 23 DEZ 2018

Para respondermos à epígrafe, é forçoso começar por estabelecer um pano de fundo e tornar claros os pressupostos do nosso entendimento.

Queremos seguir o velho conceito hermético de que tudo é mente, que o universo é mental, mas acrescente-se, como bastas vezes temos feito em outros escritos, que a mente é o papel onde o processo cósmico de consciência se inscreve. Aqui, há que deixar claro que, no entendimento rosacruciano, o Cósmico não é um lugar, é um estado, uma condição global de ordem, a consciência absoluta, a inteligência divina, as forças criativas de Deus. Etimologicamente, cosmos significa ordem e caos é o seu contrário.

Na Psicologia não cabe a visão englobante que atrás expressámos e a consciência é entendida como tendo como característica mais relevante a atenção. Os psicólogos tradicionais definem-na como variação que vai da subconsciência até à perfeita e intensa representação dos estados de atenção. Os teólogos entendem-na como o sentido de certo e do errado e muitos deles ainda acreditam que este sentido é inato no ser humano, coisa que a Psicologia nega, considerando tal sentido como aprendido. Freudianos e junguianos identificam a consciência como o superego ou o conjunto de valores morais e éticos introprojectados, que foram adquiridos dos pais, acrescentando aos processos de consciência conceitos como inconsciente colectivo e inconsciente pessoal. Para Jung a consciência é o eu.

Os esoteristas em geral falam de consciência objectiva, ligada aos sentidos físicos; consciência subjectiva, referente a sentimentos e pensamentos, e consciência supra-sensível, de carácter muito pouco comum, referente ao êxtase e à projecção psíquica consciente. Quanto à mente, na forma em que nos é acessível conhecer, consideram-na uma elaboração e expansão do fenómeno da consciência, que só é possível em um determinado meio, um organismo complexo como é o humano. Pensamos que este entendimento é um tanto restritivo, pois tende a excluir os animais em geral, não atendendo devidamente aos que nos são próximos, mas não podemos deixar de relevar a enorme especificidade do ser humano: no homem, a mente infunde-se-lhe como alma e como personalidade.

Os vários graus ou aspectos da consciência de que podemos falar, seja sob o ponto de vista psicológico, sociológico ou esotérico devem ser entendidos, pensamos nós, como fenómenos da filtragem ou redução pelo meio, mais ou menos desenvolvido, onde a consciência se infunda e vibre: na matéria bruta como simples reflexo energético, insusceptível de mudanças por si e em si; na vertente biológica, do mais simples ser unicelular à enorme complexidade que é o ser humano, como aprendizagem e conhecimento… Ora, a ser assim, torna-se evidente que os animais, todos os animais, pelo facto de estarem vivos, têm consciência, isto é, recebem e apropriam-se da dose de consciência de que precisam, de acordo com a sua espécie; os animais de companhia apropriam-se de um nível de consciência que lhes permite uma inteligência instintiva e funcional de aprendizagem e correcção dos insucessos, todavia sem capacidade de reflexão, pelo que os seus raciocínios são simplesmente lineares. Nos animais, por mais evoluídos, não se lhes detecta nenhum sinal de consciência moral.

Em termos latos, e pelos padrões humanos, parece que não podemos atribuir aos animais a que nos afeiçoamos sentimentos. Quando nos parece que os têm, quando vemos algumas atitudes e reacções nos nossos animais de companhia, seria bom colocarmos a hipótese de algum mimetismo, de lhes estarmos a induzir tais comportamentos, de estarmos a “contagia-los”.

Também seria bom termos a noção claro do que são sensações, percepções, emoções e sentimentos. Sobretudo, distinguir emoção de sentimento. Os sentimentos são estados afectivo pouco intensos, estáveis, e, ao contrário das emoções, predominantemente espirituais e de fraca repercussão orgânica. Samuel Sagan diz que «um critério essencial para distinguir uma emoção de um sentimento é que a emoção é uma reacção, enquanto um sentimento não o é

O psicólogo estruturalista Eduard Bradford Titchener considerava que a dimensão mais importante do sentimento é o agrado-desagrado. Exagero de estruturalista. O facto de m animal gostar ou não gostar de nós é, de um modo geral, reflexo condicionado, apego e dependência. A aversão resultará do medo e do incómodo de lhe violarmos o território, de se sentirem em perigo. Mas convenhamos que os mais rudes de nós também são assim.

Perguntar-se-á: então o medo e a aversão não são sentimentos? Pelo critério que atrás referimos e levando bem em conta a citação de Sagan, não são. Claro que uma multidão de psicólogos poderá não estar de acordo. Ao medo e à aversão preferimos chamar reacções instintivas, pulsões, sem descurar que é a partir destas e de outras que a consciência vai produzir sentimentos nos seres habilitados para os desenvolver.

Os sentimentos têm uma componente cultural e social muito relevante; adquirem-se, desenvolvem-se e evoluem ao longo dos tempos, fazem parte do processo evolutivo da humanidade. Presumidamente, geram-se em um nível do ser que podemos chamar de personalidade da alma, que usa o corpo psíquico como laboratório. Pode dizer-se que a personalidade da alma é o cérebro do corpo psíquico.

Do nosso ponto de vista, o corpo psíquico depende de duas instâncias do ser: o corpo físico (instrumento receptor/reactor) e a personalidade da alma (instrumento intemporal da memória e da aprendizagem, instância para a expansão da consciência).

Aqueles que acham que o corpo psíquico (ou astral) é susceptível de, por si só, gerar sentimentos tenderão a dizer: ora aí está, se os animais têm corpo psíquico – e têm, pelo menos os mamíferos (e eventualmente as aves) – então têm sentimentos. Julgamos que não têm, por limitações da sua própria individualidade. O equivalente à personalidade da alma do ser humano tem, nos animais, carácter colectivo, ao que se supõe.